ENTREVISTA COM O VAMPIRO
Confesso que a primeira vez que vi a capa do livro “O Clube dos Imortais: A Nova Quimera dos Vampiros” minha reação foi uma mistura paradoxal de admiração e desdém. Admiração pela arte incrível que a ilustrava e desdém pelo nome do autor que parecia algum pseudônimo de guru new age. Quase impronunciável aliás. Kizzy Ysatis. “Yisátes?” Não, “Ísatis” disse meu amigo.
Tendo minhas únicas felizes experiências vampirescas na literatura até então sendo sido Drácula de Bram Stoker e Entrevista com o vampiro de Anne Rice (este último lido em um underground ao som de heavy metal amador) não botei muita fé. O livro havia ganhado um daqueles prêmios sérios de literatura, o Raquel de Queiroz, e o autor fora sujeito de uma memorável entrevista no Jô Soares. Mas meu caráter iconoclasta na época (desconfie de tudo que dizem que é bom!) não me permetiu o terrível esforço de pedí-lo emprestado.
Então anos depois me deparo no Youtube com aquela famigerada entrevista. Apesar do exotismo da personagem do entrevistado com cara de Johnny Depp a
Não só Cristiano Marinho (o nome na Carteira de Identidade de Ysatis), era considerado um especialista de um subgênero do terror, mas havia conseguido ultrapassar a barreira do preconceito do meio literário e bolar (e então meu RPGista interior ficou mordido) um novo cânone ou “história de origem” para os vampiros que fazia aquela velha história de Caim que Mark Rein Hagen botou no Vampiro: A Máscara de 1991 um blábláblá datado e sem criatividade. Os vampiros asraelitas de Kizzy descendiam igualmente de figuras bíblicas, mas de anjos caídos do Livro de Enoch. E tinham explicações saborosas para seus poderes e fraquezas.
Consegui o livro que descobri que na verdade pertencia a um amigo de meu amigo. Li o Clube em um fôlego só. As surpresas dessa história de vampiro (e bruxas, e lobisomens...) que ao mesmo tempo que se passa no Brasil contemporâneo, bebe da história e da literatura do nosso país, sem recorrer a caricaturas de cultura popular e sem clichês mal digeridos me levou aos extremos do entusiasmo.
Tanto que deixei de lado a minha antipatia pelo protagonista ( que como toda boa narrativa gótica é ofuscado pelo brilho obscuro do antagonista ) algumas pontas soltas da narrativa, a bissexualidade pós- annericeniana dos sanguesugas que já se tornou canônica e algumas pontas soltas da narrativa e pude constatar que a obra era realmente DO CARALHO
Tentei saciar minha vontade de um repeteco daquela experiência indo atrás de outras obras do Kizzy: seu segundo romance “Diário da Sibila Rubra”, suas antologias, seus contos, seu blog. Mas no fim ficava mesmo aquela vontade interna, aquela negócio mais ou menos assim, uma vozinha que diz “putz, imagina só se encontro esse cara pra bater um papo de boteco”.
Direto da periferia cultural do mundo para a internet, resolvi abordar o fulano e jogar na lata minha admiração e meus pontos de interrogação. O pretexto chinfrim do qual estava munido era a idéia estapafúrdia de pedir uma entrevista via e-mail para o meu blog merda e mal visitado.
Imagine só se um cara que já havia ido ao Jô ia perder tempo com um zé ninguém professorzinho furreca de cidade pequena que nem eu . NÃO É QUE O MALUCO TOPOU?!
Abordei Kizzy Ysatis por Orkut. Ele me adicionou e respondeu todos meus scraps sem nenhum estrelismo ou síndrome de celebridade. A minha inépcia como entrevistador ficou mais do que clara, aquelas cinco perguntas “geniais” sobre “o processo criativo do artista” (?!) que eu tinha elaborado no final devem ter deixado a impressão de no entrevistado que eu era alguma espécie de ogro bêbado atacando seu trabalho. Era a tar da mardita da ambigüidade.
No mais me restava apenas constatar de que realmente não é preciso de diploma para ser jornalista. Mas que deve ajudar, ajuda.
E é claro. Postar toda a coisa:
EU: Um lugar comum, para começar. Além do sobrenatural e da mitologia quais outras temáticas interessam a você como escritor? Já em aspectos formais de escrita ("estilo") quais os autores e obras que você acredita que tenham influenciado diretamente a escrita de livros como O CLUBE DOS IMORTAIS : A NOVA QUIMERA DOS VAMPIROS e O DIÁRIO DA SIBILA RUBRA?
Kizzy Ysatis: Todas as temáticas me interessam. Acredito que um escritor não deva se prender a um único assunto, do contrário será limitado. Embora eu sempre vá permear o fantástico. Todos os livros que li influenciaram, de um jeito ou de outro, a minha escrita. No entanto, na época em que escrevi o Clube dos Imortais, eu lia muita poesia romântica, Oscar Wilde e livros espíritas (dos bons, odeio Zíbia). Parecem temperos díspares, não? Menos para a imaginação que costura as idéias. Já na feitura de Diário da Sibila Rubra, lia só mulheres: Virginia Woolf, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Clarice Lispector, entre outras.
EU: Descreva seu processo criativo. Qual a primeira etapa que você empreende ao iniciar a escrita de um conto ou romance?
Kizzy Ysatis: Você não começa uma obra literária sem uma semente, e essa semente é a idéia, que surge num sonho (na maioria das vezes) ou de um devaneio. Por isso, durmo com um caderno e o celular para usar de lanterna. Deixo ao lado do travesseiro. Jamais saio sem uma caderneta e uma caneta pelos bolsos. O ócio é a alavanca mais poderosa do artista. No vazio, a imaginação emerge.
EU: Uma provocação: O que é mais importante, pesquisa ou imaginação?
Kizzy Ysatis: Não vejo como provocação, acho até uma pergunta pertinente. A verdade é que não é nenhuma nem outra. Ambas são coisas distintas. Da imaginação brotam as flores, a beleza, a criatividade e a autenticidade da tua obra. A pesquisa reforça a narrativa. É um adubo. Ou um forte pilar para sua construção literária. A pesquisa torna teu texto verossímil. A verossimilhança é o tempero que vai manter teu leitor fiel a escrita. Você pode falar de Plutonianos no Havaí, tendo uma coerência verossímil, o leitor passa a acreditar na história. Agora veja bem, não preciso explicar que essa verossimilhança não tem de ter, necessariamente, um pé na realidade, mas, sim, na realidade condizente ao que se afirma na trama. Certo?
EU: Você já afirmou uma vez trabalhar em mais de um Romance ao mesmo tempo. Ainda adota essa metodologia? Quais os prós e contras dessa abordagem?
Kizzy Ysatis: Em cada romance, eu provo uma idéia nova. Um jeito de criar diferente, a fim de ver para quais veredas posso ser carregado. Às vezes, escrevo mais de um romance ao mesmo tempo, mas é fácil. É o mesmo que fazer dois pratos, como sua mãe faz no Natal. Enquanto assa o peru, ela prepara um doce, unta uma forma, e por aí vai... Particularmente, vivo uma desordem. A escritora Flávia Muniz diz que sou um caos. Eu escrevo o livro que me chama. Obedeço só ao meu desejo, ao prazer de escrever. Sem tesão, não rola.
EU: Como um escritor que já participou de projetos de escrita coletiva (A TRÍADE) e de antologias de contos (BRAINSTORM, O LIVRO NEGRO DOS VAMPIROS, TERRITÓRIO V: VAMPIROS EM GUERRA) qual é a sua opinião a respeito desse tipo de trabalho? Obras por editoras que já foram rotuladas por muitos de "Vanity Press" (onde grande parte das tiragens dos livros são pagas pelos autores) realmente contribuem para divulgar escritores iniciantes ou acabam na maioria dos casos apenas engessando suas imagens em estereótipos e rótulos como o de "autores menores" ?
Kizzy Ysatis: Quem aplica tais rótulos, e estereótipos, ou são os invejosos ou os covardes, ambos oriundos da mais pura vileza, trajados nos andrajos da baixeza. Vamos separar bem as coisas. Território V nada tem a ver com pagar qualquer coisa. Foi um concurso válido em todo o território nacional para eleger apenas 9 que entraram na seleta por mérito, e não tiveram, nem precisarão, pagar absolutamente nada. Pelo contrário, foram pagos e ainda tiveram o luxo de estrearem ao lado de 10 escritores conhecidos e que já estão no mercado. Queria eu ter começado assim, queria eu ter tal prêmio!
No caso do Brainstorm foi uma cooperativa. Foi minha estréia e não me vi como autor menor. Não há rótulo que consiga subverter o artista quando este é audaz. Este livro me abriu as portas para uma editora maior, a Novo Século. E agora estou aí, pelas vitrines de todo o país. Por fim, em O livro negro dos vampiros, ajudei o escritor Cláudio Brites a selecionar 50 autores entre mais de trezentos lidos. Não foi qualquer um que entrou, houve critérios.
EU: Qual a sua opinião a respeito da nova onda de literatura infanto- juvenil estrangeira? (Harry Potter, Crepúsculo.) Se por um lado esses livros estimulam a leitura, contribuem para criar ainda um abismo entre cultura pop e uma literatura "séria" que contemple questões estéticas ou temáticas provocantes e mais maduras?
Kizzy Ysatis: Depende do que você enxerga como literatura séria, há um preconceito nessa pergunta. Porque tem gente que tem preconceito com o que faço, como se não fosse sério escrever sobre vampiros. Vá se catar os críticos e acadêmicos frustrados, vão se catar os invejosos, que se mordam os incapazes. Hans Andersen tocou no que tinha de mais profundo da alma humana usando apenas um patinho feio, desajeitado e rejeitado pelos irmãos, pelos iguais, criticado e injustiçado por ser diferente. Ah, mas que lindo cisne se provou ao crescer. Se eu conseguir fazer o mesmo com meus vampiros, morro feliz. E que livro pode ser mais sério que O pequeno príncipe? Ora, meu amigo, não é a temática que faz o livro bom, é o autor. Por isso acho que Harry Potter não tem nada a ver com o lixo que é Crepúsculo. J.K. Rowling sabe escrever. Por favor, não a compare com aquela “malhação” com pseudo-vampiros-emos-purpurinados.
EU: Ainda mais uma vez e em todo caso, grato pela atenção dispensada.
Kizzy Ysatis: Eu que agradeço. ;-)
EU: Na verdade a entrevista acabou por aí. Mas pseudo- vampiros-emos- purpurinados foi fóda. Fóda.
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Puxa, Davide
ResponderExcluirFicou bem legal sua crônica.
Consegui ler na casa duma amiga, em casa não rolou, vai saber... máquinas me odeiam, rs
Obrigado pelo interesse no meu trabalho, pela atenção e carinho.
Abraços
Kizzy
Gostei muito, e concordo com muito das coisas que o Kizzy falou.
ResponderExcluirUma excelente idéia essa entrevista.
Um grande abraço,
Átila Siqueira.