Inspirado por aquela seção de Revista (Superinteressante? Eu acho.) 5 Luxos e 1 Lixo resolvi fazer meu próprio top, de melhor short fiction: incluindo contos, crônicas e pastiches literários.
Tentei colocar meus favoritos e fugir um pouco dos “lugares comuns” (Não , admito que ainda não li Chekhov nem Guy de Maupssant.) Além disso deixei de fora coisas que realmente queria incluir como Edgar Alan Poe e sua excelente A Milésima Segunda Noite de Sherazade ou Tolstói com seu conto De Quanta Terra Precisa um Homem? Ou seja excluí muita coisa que gosto. Mas muita coisa que detesto também.
Senhoras e Senhores eu lhes apresento 12 APOSTÓLOS...
1- Os Escrivães – Dino Buzzati Perfeito. Simples. O Número Um. Obrigatório para maiores de 60 anos e para todo graduando que já enfrentou ou está enfrentando uma Monografia...
2 – Frontal com Fanta - Jorge Furtado Se você gostou de “O Homem que Copiava” ou “Ilha das Flores” vai gostar desse conto. Long live Post-Modernism.
3 – A Casa Tomada – Julio Cortazar Realismo fantástico na veia. Adoro os personagens e a insólita situação problema que eles vivem. Sempre fiz uma leitura "social" desse conto , mas se eu estiver certo ela é também muito sutil.
4 – Ultimo Viene Il Corvo - Italo Calvino + Realismo Fantástico. Dessa vez ambientado durante a Segunda Guerra Mundial. Aprenda a ler italiano ou descole uma tradução.
1 – SIM – Fernando Ferric Tive acesso a esse conto através de um amigo. Quem entende já percebeu que amo Realismo Fantástico, pitadas de Surrealismo, finais abertos, e mesmo aquela narrativa detetivesca. (toda metida a pulp). Mas ISSO eu considero um exercício ruim. Why? Por que apesar da situação "enigmática "o conto realmente não me diz absolutamente nada.
Perdão ao Ferric por usar de o texto dele de mau exemplo. Mas Jesus também foi injustiçado...
Bem vindo novamente, (hipotético leitor) ao GRILO FALANTE.
Andei ocupado esse mês com os sempre extenuantes deveres da vida de professor e resolvendo os dilemas que reserva o meu desconhecido futuro acadêmico – profissional.
Mas não foi só isso.
Nos últimos dias embarquei por puro diletantismo na gravação de FICÇÃO, um curta amador para ser exibido no MOSCA 5. O roteiro e o argumento são de minha parte, a adaptação bastante poética do conto “La Cosa” de Umberto Eco. A produção, se é que se pode produzir um filme de 20R$ e muitos favores) e parte da direção também.
O trabalho de câmera ficou por conta do Marcelo Telles II e o figurino e material de cena e outras contribuições por conta do resto da nerdada. A edição e a dublagem permanecem uma incógnita até segunda ordem.
Enfrentamos vários problemas na gravação, especialmente com a organização (o já clássico aborrecimento da falta de comprometimento) e o cronograma. Ainda acho que a decisão de usar adultos feitos nos papéis principais foi a mais acertada e dá uma “seriedade” maior ao trabalho (mesmo o filme se tratando de uma comédia), mas sempre compromete as coisas pela falta de agenda já esperada para gravação e ensaios.
No fim, estava pensando outro dia, sempre acaba sendo aquela corrreria e muita dor de cabeça, em troca de algo sem dúvida divertido, mas um tanto efêmero.
TAÍ!
Cinema foi um troço que eu nunca quis mexer.Gostar de cinema, ver cinema, ir ao cinema (ou melhor ira ao DVD e a TV á cabo) e escrever e comentar sobre filmes em geral são coisas que adoro. Parte do meu dia-a-dia. Coisas sem as quais eu não conseguiria viver.
Mas se alguém me perguntar se eu já tive o sonho de ser um grande diretor, ou trabalhar nessa área fora de qualquer coisa que não seja roteiro (ou argumento) eu tô fora.
Arte por arte prefiro escrever.
O Cinema apesar de ter maior visibilidade continua sendo um veículo caro, e uma praia que exige muitos contatos e, sobretudo trabalho de equipe (ou um diretor – ator-produtor lunático e obsessivo com mão de ferro). Compensa o esforço? Compensa. Mas somente para aqueles que querem embarcar no hype do audiovisual e que o consideram seriamente a profissão.
Para aqueles como eu monges venenosos, monstros tímidos, Corcundas de Notre-Damme reclusos em suas torres e kitinetes, escrever é um hobby que acaba sendo algo muito mais individual, solitário e prazeroso. Ainda por cima tem a vantagem de se ser um meio muito mais barato e um universo produtor de significados muitíssimo mais amplo.
Mas meu desapontamento com o fazer da sétima arte talvez não seja uma coisa tão ruim. Como disse Jorge Furtado esse é um tempo que conhece muito diretores, mas poucos autores.
E numa indústria onde o Cinema fica cada vez mais dependente e parasitário da Literatura (estou começando a sentir remorsos pelo roteiro adaptado) talvez essa última acabe sendo um desperdício de tempo um pouco mais nobre.
Em fim como disse no post anterior toda a nerdada se aprontou para ir ao cinema assistir a chegada de WATCHMEN ao nosso marginal circuito de filmes sul-mineiro.
Uma grande família unida indo entusiasmada assistir um filme recomendado para maiores de 18 anos, repleto de sexo, violência, rock n’roll, e genitais azuis.
Uma grande comédia de erros.
- Ué, peraí. O filme já começou?
- Não. Ainda não tá na hora. Deve ser o fim da sessão anterior.
- Eu não vou ver o final!
- Nem eu.
Infelizmente NÃO era o final da sessão anterior, e acabamos perdendo o dez minutos inicias nessa confusão. Sendo assim fui obrigado a assistí-lo duas vezes.
Mas valeu a pena. O filme é lindo. =)
Já inicia formidável com o brutal assassinato de um dos personagens e uma seqüência inicial ao som de Bob Dylan.
Somos introduzidos a uma década 80 alternativa onde vigilantes mascarados estilo Batman são bastante reais e foram proibidos pela controversa Lei Keene. Diferente das estórias comuns do gênero esse é um universo visceral habitado por justiceiros sociopatas, mulheres histéricas, tecnocratas viciados em andrenalina e Rambos que descarregam suas metralhadoras em manifestantes e ativistas políticos.
A Guerra Fria perdura junto a re-eleições infinitas do presidente Nixon. Esse é um mundo onde a presença de um único, mas real super-homem, o azulão quântico Dr. Manhatann ajudou os E.U.A a vencer a guerra do Vietnã e a intimidar a URSS, levando o mundo há uma paz tensa mas cuja fragilidade pode se agravar em um conflito nuclear.
A narrativa oscila desde a primeira pessoa a flashbacks pelos quais somos levados ao conflito que move o enredo: Quem está tentando eliminar os vigilantes? E qual o sentido de se ter heróis e combatentes do crime em um mundo que parece estar condenado ao Apocalipse atômico?
Como professor de História sou obrigado a dizer que o diretor Snyder foi sábio em reconhecer que a ambientação e o espírito do tempo sob o qual Watchmen foi escrito é o que alicerça seu enredo, e que uma mudança nesse elemento iria exigir uma re-formulação completa ao invés de uma simples (simples?) adaptação.
Com suas 2 horas e meia de duração (e acredite isso é pouco, a versão do diretor deverá ficar por volta de 3 horas e 10 minutos) Watchmen consegue ser um filme que faz justiça aos fãs, e que vai agradar também a muitos daqueles que não conheceram a obra original, mas que gostam de super-heróis ou ficção cientifica em geral. Não deverá ter tanto apelo, porém junto a outros tipos de público.
Reprodução quase que quadro a quadro da HQ, (usando a obra de Moore & Gibbons como storyboard), Zack Snyder e sua equipe conseguiram cumprir a tarefa hercúlea de adaptar um trabalho que (como disse um amigo meu) só poderia atingir fidelidade em uma mini-série de TV e não em um filme.
Claro que muita coisa se perde, mas são baixas necessárias no negócio multimilionário que é o cinema atual.
Na certa Watchmen e suas cenas de violência não agradará aos velinhos da academia, mas o contraste intencional dessas cenas em montagens com a estupenda trilha sonora retrô faz de certa maneira o filme se encaixar entre outros que usaram os mesmo artifícios, e que são cultuadíssimos.
Se não fosse claro exagerar a importância de uma obra que na versão cinematográfica acabou retendo não muito mais que o entretenimento ( um "Blockbuster" legítimo segundo o Music, Coke and Robots), estéticamente falando o Watchmen de Snyder está para os loucos anos zero do Século XXI para o que Laranja Mecânica de Kubrick foi nos anos 70 e o Clube da Luta de David Fincher foi nos 90.
O final do filme reconheço funciona (e realmente funciona) para as telas muito melhor do que o final da HQ (que ainda prefiro). Em suma Watchmen – O filme, é inferior e devedor da Graphic Novel, talvez pelo seu enredo um pouco datado e o foco no entretenimento puro e simples não se tornará um marco, mas é um bom filme apesar de tudo.
PS: Além disso a sequência de sexo entre o Coruja e a Espectral ao som de "Hallelujah" de Leonard Cohen já o torna por si só um cult instântaneo. ;)
Qual não foi o meu espanto ao saber que não só o WATCHMEN (apesar das previsões pessimistas) vai realmente estrear no cineminha da cidade ao lado como também toda a nerdada se amimou de ir ver o filme amanhã, na sessão mais baratinha da quarta feira.
Must mesmo para aqueles que não leram a legendária mini-série em quadrinhos do satânico-escritor-from-hell-underground-britânico-barbudo Alan "Odeio Hollywood" Moore e do desenhista Dave Gibbons, Watchmen gerou muítissimo alarde entre os fãs por se tratar talvez de uma das adaptações mais difíceis a serem feitas na história do cinema.
Moore que teve o espírito de suas obras assassinadas em adaptações medíocres e pipoqueiras pelo cinema como Do Inferno, A Liga dos Cavalheiros Extraordinários e V de Vingança ( e eu concordo com ele) já pediu pra tirar seu nome dos créditos já avisou que se o filme for uma droga, ele se isenta de qualquer culpa. Na verdade creio que o velho louco se isenta do resto da humanidade mesmo.
O título em inglês é oriundo de uma frase em latim do poeta Juvenal, "Quis custodiet ipsos custodes?", ou : Quem vigia os vigilantes?
A premissa é ainda umas das mais interessantes: o que aconteceria se os super-heróis existissem na vida real?Como a frase latina sugere a resposta pode ser um pouco pessimista...
Impossível claro reproduzir o marco que a Graphic Novel ( Watchmen aliás ajudou a difundir esse termo e faturou mesmo alguns prêmios tradicionalmente destinados apenas a romances) foi no universo quadrinhistíco. O Watchmen original tem pelos menos três pontos de fundamental importância, e que são quase um consenso entre os críticos:
- Mostrou junto a outro quadrinhos "O Cavaleiro das Trevas" (o do Frank Miller), que as HQs não eram absolutamente restritas ao público infantil e adolescente e que também podiam ter apelo entre adultos.
- Desconstrói e faz uma revisão irônica daquela imagem do super-herói ainda bastante engessada e estereotipada dos anos 50 e questiona o próprio sentido das histórias de gênero.
- Trouxe experimentos de narrativas interessantíssimos e um universo riquíssimo apresentado de uma maneira inovadora.
A adaptação chega portanto em boa hora. Em um tempo sombrio ( e não me digam que uma década que iniciou com a guerra ao terrorismo e está fechando com crise econômica não pode ser chamada de sombria) onde o público de maneira geral já se acostumou com histórias mais polêmicas, chocantes ou violentas.
Um dos defeitos (se é que se pode chamar isso de defeito) dos quadrinhos originais era que justamente suas trocentas referências apelavam apenas para um tipo de público, o leitor e fã de histórias de super-herói.
Não haveria espaço portanto para Watchmen nos cinemas anos atrás, mas com a decisão das editoras Marvel e DC de levarem seus personagens para os cinemas, agora mesmo o público médio pode de certa maneira saboreá-las. Afinal agora existe algo para se desconstruir.
Acompanhado as peripécias do diretor Zack Snyder na industria do cinema cabe agora torcer, cruzar os dedos,esperarando que o filme retenha pelo menos um resquício de provocação da obra de Moore, conseguindo aprofundar um debate que de certa maneira já foi proposto por um outro filme, "O Cavaleiro das Trevas". ( o do Cristopher Nolan.)
Ontem após um período de grande modorra vespertina enquanto coçava minha barba hirsuta pude finalmente conferir no conforto de meu quarto abafado, o filme “Austrália” (2008) do não coincidentemente australianoBaz Luhrmann.
Devo dizer que logo de cara fico grato que um filme que tenha tal título tenha sido concebido por alguém do próprio país. Sempre achei um tanto hipócritas e equivocados aqueles filmes feitos por gringos que residiram à vida toda no exterior e vêem com suas lentes desvendar os “mistérios” e “contradições” dos países alheios.
Não que esse olhar “de fora” não possa dar certo. Principalmente se ele se reconhece como tal. Um exemplo disso é o excelente Lost in Translation de Sofia Coppola que usa o Japão e seus exotismos como uma maneira de mostrar o deslocamento das personagens estrangeiras em um ambiente cultural diverso.
Isso é bem diferente daquele olhar de deslumbramento puro e simples com “O OUTRO” que alguns críticos andam reconhecendo em Quem quer ser um milionário?ou que os espectadores brasileiros andam vendo em telenovelas como Caminho das Índias (Aliás a índia está na moda não?!)
Tudo bem que Hollywood assassine a realidade. Mas a conseqüência as vezes são filmes pulps escabrosos como Turistas ou As Ruínas e outras abominações que distorcem totalmente a imagem dos países em que ambientam suas histórias.
Por isso se for para "queimar o filme" de um país em escala global, pelo menos que seja um nativo.
Agora vamos lá. Esperar realismo de um filme do Baz é como esperar um filme do Quentin Tarantino feito para crianças.
Sou fã do diretor desde o inovador Moulin Rouge! que (gostem ou não) apesar da estética barata de videoclipe, teve os méritos de ressuscitar o gênero musical no cinema, e hoje vem sendo plagiado em muitos pontos pelo musicais sub-sequentes.
Já acompanhava seu trabalho desde o anterior e bizzaro Romeu + Juliet e portanto já esperava de Austrália o que Baz Luhrmann sabe fazer de melhor: Uma aventura épica, ultra-romântica, recheada de pastiches e refêrencias a cultura pop.
Infelizmente essa marca registrada que é a maior das virtudes de Luhrmann também é um dos seus maiores vícios. Com certeza está por trás das coisas que me fizeram repudiar o filme.
Primeira coisa. Austrália não se decide.
Começa como uma espécie de western onde os mocinhos, a heroína feminista “Mrs. Boss” e o anônimo cowboy “Drover” ( Nicole Kidman e Hug Jackman, ambos profissionais brilhantes, presos em personagens planas.) devem viajar pelo Outback ( o “sertão” australiano) perseguidos pelos lacaios do rancheiro do mal.
Lá pra metade do segundo tempo tudo se transforma em um filme de Segunda Guerra Mundial, e quando cortina finalmente se fecha que podemos reconhecer é uma tentativa forçada de Drama Social.
OK. A premissa é ousada.
Baz tem a idéia de fazer um “épico” grandioso que misture tudo no grande liquidificador da sétima arte. Dos filmes de velho oeste ao “Mágico de Oz”. Um filme que na verdade fala de outros filmes e que se aproveita de outros filmes e que imita outros filmes.
Mas na hora de executar manda malíssimo.
O que era ousado acaba sendo apenas pretensioso.
E cai na hipocrisia.
Especialmente quando um representante da Austrália branca, desenvolvida, rica e feliz, que é o diretor, tenta espremer em um blockbuster os dramas, sofrimentos e tradições de uma outra Austrália: a Austrália segregada dos povos aborígenes.
Nesse ponto me pergunto se não teria sido melhor fazer um filme apenas sobre a tal da “geração roubada” que é retratada apenas superficialmente (crianças mestiças que eram tomadas de suas famílias para receberem a educação moral e civilizátoria dos brancos.)
Segunda coisa. A narrativa.
Hoje em dias os cineastas ou fazem filmes lentos demais ou rápidos de mais.
Luhrmann é super-sônico. Somos apresentados tão rapidamente e em trechos tão escassos de diálogos à as personagens que simplesmente é impossível se importar com elas .
Todas dinâmicas, mas com a profundidade de um pires de chá. O que temos no filme é apenas ação incessante, sem espaço para trabalhar detalhes.
È verdade que a maioria das personagens no filme, como os protagonistas, são apenas idéias , símbolos, alegorias, arquétipos, e que não se pode exigir da proposta do diretor uma aula de psicologia.
Mas o efeito prático disso é que quando os personagens coadjuvantes começam a ser eliminados pelo roteiro em mortes desnecessárias, não nos importamos nem um pouco com isso.
Afinal como vou me importar com uma personagem que apareceu uns parcos e porcos minutos na tela, e que eu mal tive tempo de me entrosar?!
Em suma Austrália peca por querer mostrar e ser várias coisas ao mesmo tempo, e acabar não mostrando e não sendo nada, nadinha mesmo, no final das contas.
Para os Australianos talvez a banda autóctone Men at Work tenha feito um trabalho mais competente de divulgação do país no exterior do que isso aí.
Dessa empreitada do Baz só posso concluir uma coisa :
As borboletas são insetos da ordem Lepidóptera. Como todas as Lepidópteras, as borboletas são conhecidas por seu estranho ciclo de vida. Este consta, após a eclosão do ovo, em uma fase larval na forma de uma voraz lagarta, um estado de crisálida completamente inerte, e uma formidável metamorfose ao final do processo que resulta na forma adulta, dotada de estupendas asas policromáticas.
Quem dera pudesse vê-la mais uma vez. Uma única vez. Uma única mísera vez. É o que bastaria. Depois disso o fausto de sua existência, aquele peso cotidiano do respirar, poderia se afrouxar dando espaço para um tranqüilo repouso sem fim.
Tirou os sapatos. Precisava fazer xixi. E o que pode haver de mais prazeroso na vida de um quase homem feito que retirar os sapatos e poder urinar no vaso sanitário de uma casa alugada à custa do próprio esforço? Só mais alguns meses agora. O cheiro ácido e febril do líquido invadiu-lhe lentamente as narinas e ele sentiu uma tremenda sensação de alívio.
Depois, subitamente, um sentimento de vazio e esgotamento apossou-lhe a mente. Apenas alguns metros até a cama desarrumada. Apenas alguns metros. Saiu sem abotoar as calças. Sem levantar o zíper. Sem dar a descarga. Sem lavar as mãos. Sem escovar os dentes.
Estava ficando velho? Ou talvez ainda fosse jovem demais para aquilo tudo. Não. Mas se ao menos pudesse vê-la mais uma vez, sim, mais uma vez... Então as coisas poderiam enfim reclamar seu sentido?
Uma única vez. Uma única vez. Aquela única vez. Não fora? Ouve outras. Não contava. Aquela vez. Aliás, era completamente trivial. Tanto tempo atrás... Por que ainda se lembrava? Não sabia. Não sabia ao certo. Seis anos? E isso há mais de dezessete.
Ovos de borboleta consistem de uma endurecida camada exterior, alinhada com uma fina capa de cera que impede que o ovo de secar antes que a larva tenha o pleno tempo de se desenvolver. Ovos de borboleta e mariposa variam de tamanho entre as diferentes espécies, mas são todos de formato oval ou esférico. Eles são afixados às folhas através de uma cola especial, que endurece rapidamente. Enquanto ela endurece se contrai deformando o formato do ovo. A fase de ovo dura algumas poucas semanas para a maioria das borboletas, mas ovos colocados próximos ao fim das estações quentes, especialmente em regiões temperadas, costumam ficar em suspenso, chocando apenas na primavera.
A umidade invadia o ar enquanto um enxame tempestuoso de aleluias se digladiava com a luz dos postes elétricos, confundindo-se com as estrelas na abóbada celeste e a lua cheia entrecortada pelas nuvens negras.
Fazia muito calor. O odor vívido das fezes bovinas se fazia onipresente naquela rua de terra que passava como uma ponte de terra seca sobre o brejo.
Do além das cercas uma inconstante orquestra cacofônica composta pelo gorjear dos pássaros, o coaxar das rãs, o estridular das cigarras, o zunzunar das asas dos pernilongos, o piscar dos vaga-lumes, e o barulho dos vermes remexendo sob a terra.
Ele a apertava com toda força. Aquele pequeno e quente mamífero de pele morena. Seus cabelos negros impregnados daquele aroma de lama. O peito dela se contraia e ele podia sentir seu suor e seu bafo quente. Podia sentir os seus corações batendo juntos em um uníssono completo, numa amálgama perfeita, numa aceleração crescente e que parecia irrefreável.
Não era preciso palavras. Estavam há horas metidos naquela muda telepatia, naquela sincronia majestosa. Tudo se resumia a respirar e deixar que as artérias bombeassem generosamente o sangue, enquanto ele secretamente se desmanchava num espasmo ébrio de prazer.
- Aí, assim machuca!
Ela resolvera ousadamente quebrar o pacto daquela mudez. Ele se ajeitou e a olhou afogueado no rosto, enquanto nervosamente apertava-lhe a mão e afundava os pés na terra vermelha encharcada. Não tardaria e os gritos da mãe o obrigariam a voltar para casa. Por que precisava ir?
- Toma.
Observou o desenho do sorriso em seu rosto quando Isabel, aquele era seu nome, retirou da velha e surrada mochila ao seu canto um recipiente de vidro contendo em seu interior um estranho inseto azul- metálico, e que permanecia inerte. A borboleta. O troféu diurno de suas caçadas juntos naquela tarde.
O bicho permaneceu lá parado, inerte, desempenhando seu papel dócil de cativo, mero símbolo, mera lembrança. Um singelo presente.
- Isabel vem comer! O Jantar está pronto.
Não era a voz de sua mãe, mas do pai da menina. Ela saltou como se acometida de um surto epiléptico e correu em direção a casa. Sem se despedir.
Na manhã seguinte a mãe o acordou para tomar o café. Mas ele não se levantou. Preferiu confiar seus prantos ao vão entre o colchão e o muro frio e branco. Jamais se esqueceria de que mais cedo naquela manhã, ouvira ecoar aqueles sinistros ruídos de motor.
Deixou que a borboleta fugisse.
As larvas de borboleta, ou lagartas como são mais conhecidas, consomem folhas de plantas e passam praticamente todo o seu tempo em busca de comida. A maioria das lagartas são herbívoras, embora algumas espécies se alimentem de insetos. Algumas larvas vivem em simbiose com as formigas, se comunicando com estas através de vibrações e sinais químicos. As formigas auxiliam na proteção da larva, enquanto a larva por sua vez lhes fornece uma secreção açucarada.
Nunca mais vira aqueles turistas do Rio. Como era mesmo o nome da filha deles? Uma hora acabava se lembrando.
Tantas memórias naquela casa de fazenda, e ele mal podia acreditar que alguns anos antes havia abandonado tudo por aquele sonho louco de ir viver na metrópole.
Fora com a cara e a coragem. Não conseguiu realizar aqueles sonhos pueris, suas hiperbólicas esperanças adolescentes. E com toda certeza havia passado por poucas e boas. Mas pelo menos conseguirá concluir seus estudos.
Agora estava de volta. Quem diria? Tocando os negócios do pai na loja, mais os afazeres da propriedade que haviam caído sob sua responsabilidade, e dificilmente lhe restava tempo para pensar em mais nada.
Havia comprado às terras do vizinho, e aquelas terras alagadiças das fronteiras poderiam ser usadas para o plantio do arroz. Sempre havia problemas é claro, outro dia mesmo havia discutido feio com um dos empregados. Não tinha a mesma paciência do velho.
Não saia mais aos fins de semana pela cidade, e desconfiava intimamente que seus concidadãos o achassem um tanto arrogante.
Não podia reclamar. Pelo menos comia três, ou até mesmo quatro vezes ao dia e se havia acostumado com o sentimento de liberdade que se tem ao tomar uma chuveirada fria pela manhã.
E no meio do caminho havia encontrado Fernanda. Estavam casados já há dois anos, e embora discutissem de vez em quando, na maioria das vezes não saberia o que teria feito sem a presença extra dela ali ao seu flanco na cama de casal. Sua respiração ondulando os lençóis.
Tentou lembrar do nome. Qual era mesmo? Uma hora lembrava. Estava cansado.
Quando a larva amadurece completamente, um processo hormonal se inicia. Nesse ponto a larva para de se alimentar e começa a vagar em uma jornada na busca por um local adequado para a formação do casulo, muitas vezes escolhendo a parte debaixo de uma folha. A larva se transforma em um casulo (ou crisálida), se ancorando firmemente há um substrato. Ela perde toda a capacidade de movimento, embora alguma espécies possam mover rapidamente os segmentos abdominais ou produzir sons para espantar predadores em potencial.
Berrou com força que acreditava não ter mais. A terceira vez aquela semana! Quem eles acreditavam ser para vir até ali, seu estabelecimento e julgar qualquer coisa?
Aqueles canos enferrujados estavam ali desde antes de seu avô e nunca haviam produzido nenhum incômodo que não fosse o barulho de água corrente; isso quando alguém por ventura puxava a descarga.
Outros tempos teria pensado em mandar tudo à merda e se mudar daquela cidade. Agora era tarde com quase quarenta e Nanda grávida mais uma vez.
Varreu os fiscais da cabeça, aqueles malditos bostas, e se recolheu à sombra do minúsculo escritório arejado pelo ventilador.
O Luís que trata-se de fechar a loja, afinal não lhe pagava o salário pontualmente para que ele ficasse com aquele olhar estarrecido contemplando os sacos de ração, como se dali fosse brotar a segunda vinda de Jesus Cristo.
Acariciou a Máquina. Se Nanda soubesse... Mas ela não entendia nada daquelas coisas. Minimizou o programa que usava para fazer as contas e monitorar o estoque.
Na tela do Computador surgiu uma interface azul-berinjela e alguns pop-ups de sites adultos, com imagens animadas de mulheres nuas se masturbando. Sozinho na sala digitava como se possesso por algum espírito de terreiro.
A Máquina era mágica. Mefística. Prometia-lhe as portas do céu, os prazeres do inferno. Um ser mitológico, como uma fada ou um gênio, só que ligada diretamente aos recônditos mais escondidos de seu desejo. E ele sempre soube o que desejava.
Ainda lembrava da noite ocioso em que vagando por aqueles site de relacionamentos pessoais se deparou quase que por coincidência com o perfil daquele velho conhecido do seu pai. Do Rio.
Já havia procurado antes. A Máquina lhe pedia um nome. E só. Mas infelizmente ele o havia apagado completamente de seu cérebro. Só lembrou efetivamente quando o leu ao lado de uma pequena foto, na seção de depoimentos.
Estava mais velha é claro. As rugas haviam carcomido o seu rosto de anjo, os resíduos de tintura entristeciam o cabelo. Mas eram os mesmos olhos, o mesmo sorriso: Isabel.
Desde então ela, a Máquina, se tornara sua confidente, seu canal para com o passado. Não foi difícil conseguir lhe falar. Havia afinal os softwares de mensagens instantâneas.
Edu diz: Olá. Estava esperando você.
Is@, “touching the sky” diz: Oiiii!
Is@, “touching the sky” diz: Então. Quando veeeeeem?
Edu diz: Está complicado... quero muito mas...
Is@, “touching the sky” diz: Ahhhhhhhhh. Vem logo
Edu diz: Mês que vem. No feriado.
Is@, “touching the sky” diz: =/
Is@, “touching the sky” diz: Mas vem sim, vai conhecer todo mundo aqui.
Edu diz: Outro dia estava lembrando.
Is@, “touching the sky” diz: Do q?
Edu diz: Da gente criança.
Is@, “touching the sky” diz: Puxaaaaaaaa, e mesmo né?rsrs
Edu diz: Lembra? Da Borboleta?
Is@, “touching the sky” diz: HAN?!
Edu diz: Daquela Borboleta que você me deu. A azul?
Is@, “touching the sky” diz: AAAAA. Lóoogicooo.
Is@, “touching the sky” diz: Hey. Vou sair aqui.
Is@, “touching the sky” diz: Entrei só pra ver uma coisa. Vou comer.
Is@, “touching the sky” diz: Beijooos!!!
Edu diz: Beijos. Se cuida.
X.A seguinte mensagem não pode ser entregue. Edu diz:
Beijos. Se cuida.
A Máquina lhe prometia aquela proximidade distante, inalcançável. Ficou ali fitando o monitor enquanto mensagens sonoras mal-vindas pipocavam insistentemente pelos auto- falantes. Por um momento se sentiu o último homem da terra, derrotado. Fora ultrajado pela Máquina.
Esperou certo de que voltaria. Mais tarde ela voltaria. Em todo caso havia sempre a esperança do mês que vêm. O feriado. Teria que arrumar uma desculpa. Qualquer desculpa. Mas e o bêbe? Não nasceria no outro mês?
Precisava ir. Precisava ir vê-la. Uma desculpa qualquer. Mas as idéias naquele exato momento o haviam abandonado completamente.
O estágio adulto, sexualmente maduro, da borboleta é chamado imago. Borboletas adultas possuem seis pernas, duas antenas, dois olhos compostos, duas antenas e uma tromba, além de quatro asas, cobertas por finas escamas. Contudo após emergir do estágio de crisálida uma borboleta não pode voar até conseguir liberar suas asas. Uma recém emergida borboleta precisa gastar tempo inflando suas asas com sangue e deixando suas asas secar, período no qual fica extremamente vulnerável a predadores. Borboletas levam em torno de uma hora para secar suas asas, chegando até três horas.
Quem dera pudesse vê-la mais uma vez. Uma única vez. Uma única mísera vez. É o que bastaria. E então poderia descansar. Quase setenta. A casa ficava vazia no domingo, mas dali a pouco enquanto ele repousava na cama vazia Nanda chegaria com o seu neto.
Domingo era assim, um vazio enorme, e os outros dias eclipsados por algumas rápidas passagens a loja onde o Dudinha assumira seu posto. Luís continuava lá, fitando os sacos de ração com o mesmo ar aparvalhado de sempre, só que agora levemente mais calvo.
Mal se mexia. O corpo doía, e o braço formigava. Isabel, Isabel. Devia ir vê-la. Mas já haviam passado tantos anos. Tantos anos. Ela nem se lembrava. Não queria dizer nada para ela. Aquela noite. O piscar dos vagalumes, o estridular das cigarras. Talvez não se lembrasse mais. Ou nunca dera a mínima.
Uma súbita pontada no peito. Uma dor aguda. Queria ser a Borboleta. Talvez a Máquina realizasse aquele seu último desejo. E se naquele dia em que a soltara, ela poderia depois de ter escapulido do vidro ter voado em direção a Ela?
Uma borboleta. Era uma Borboleta agora. Voava. Voava. Para onde? O Rio de Janeiro é claro. A Metrópole. Haveria de vê-la mais uma vez. Afinal a Máquina não lhe havia prometido? Só mais um pouco. Só mais alguns meses. Apenas alguns metros. Tanto tempo atrás...
Não havia vivido tanto tempo apenas para lembrar-se daquela única noite afinal?
O tempo de vida das borboletas varia de espécie para espécie. Também pode variar dentro de uma mesma espécie, dependendo da estação em que adulto emerge da crisálida. Adultos que nasceram depois do inverno costumam ter suas vidas expandidas, embora isso também se verifique naqueles que empreendem migrações. Algumas borboletas e mariposas vivem apenas alguns dias. Outras de seis a doze meses. As lepidópteras mais longevas permanecem inativas boa parte do tempo. O tempo de vida da maior parte das borboletas costuma estar no meio desses dois extremos.
LEIA TUDO, POR FAVOR.
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Vamos deixar bem claro aos cristãos menos esclarecidos e mal informados que
a crucificação da transsexual não foi pra ofender a religião, o ato foi um
pe...
22 de agosto de 2009.
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Voltei a postar no blog. Provavelmente muitos dos filmes que tenho visto
utimamente serão perdidos. Não anotei nada nesses tempos.
Queria comentar por aqui ...
"A função intelectual se dá portanto através da inovação mas também pela crítica do saber ou das práticas precedentes, e sobretudo através da crítica do próprio discurso." ECO, Umberto. 2006