A STORY FROM A LAND DOWN UNDER.Ontem após um período de grande modorra vespertina enquanto coçava minha barba hirsuta pude finalmente conferir no conforto de meu quarto abafado, o filme “Austrália” (2008) do não coincidentemente australiano Baz Luhrmann.
Devo dizer que logo de cara fico grato que um filme que tenha tal título tenha sido concebido por alguém do próprio país. Sempre achei um tanto hipócritas e equivocados aqueles filmes feitos por gringos que residiram à vida toda no exterior e vêem com suas lentes desvendar os “mistérios” e “contradições” dos países alheios.
Não que esse olhar “de fora” não possa dar certo. Principalmente se ele se reconhece como tal. Um exemplo disso é o excelente Lost in Translation de Sofia Coppola que usa o Japão e seus exotismos como uma maneira de mostrar o deslocamento das personagens estrangeiras em um ambiente cultural diverso.
Isso é bem diferente daquele olhar de deslumbramento puro e simples com “O OUTRO” que alguns críticos andam reconhecendo em Quem quer ser um milionário? ou que os espectadores brasileiros andam vendo em telenovelas como Caminho das Índias (Aliás a índia está na moda não?!)
Tudo bem que Hollywood assassine a realidade. Mas a conseqüência as vezes são filmes pulps escabrosos como Turistas ou As Ruínas e outras abominações que distorcem totalmente a imagem dos países em que ambientam suas histórias.
Por isso se for para "queimar o filme" de um país em escala global, pelo menos que seja um nativo.
Agora vamos lá. Esperar realismo de um filme do Baz é como esperar um filme do Quentin Tarantino feito para crianças.
Sou fã do diretor desde o inovador Moulin Rouge! que (gostem ou não) apesar da estética barata de videoclipe, teve os méritos de ressuscitar o gênero musical no cinema, e hoje vem sendo plagiado em muitos pontos pelo musicais sub-sequentes.
Já acompanhava seu trabalho desde o anterior e bizzaro Romeu + Juliet e portanto já esperava de Austrália o que Baz Luhrmann sabe fazer de melhor: Uma aventura épica, ultra-romântica, recheada de pastiches e refêrencias a cultura pop.
Infelizmente essa marca registrada que é a maior das virtudes de Luhrmann também é um dos seus maiores vícios. Com certeza está por trás das coisas que me fizeram repudiar o filme.
Primeira coisa. Austrália não se decide.
Começa como uma espécie de western onde os mocinhos, a heroína feminista “Mrs. Boss” e o anônimo cowboy “Drover” ( Nicole Kidman e Hug Jackman, ambos profissionais brilhantes, presos em personagens planas.) devem viajar pelo Outback ( o “sertão” australiano) perseguidos pelos lacaios do rancheiro do mal.
Lá pra metade do segundo tempo tudo se transforma em um filme de Segunda Guerra Mundial, e quando cortina finalmente se fecha que podemos reconhecer é uma tentativa forçada de Drama Social.
OK. A premissa é ousada.
Baz tem a idéia de fazer um “épico” grandioso que misture tudo no grande liquidificador da sétima arte. Dos filmes de velho oeste ao “Mágico de Oz”. Um filme que na verdade fala de outros filmes e que se aproveita de outros filmes e que imita outros filmes.
Mas na hora de executar manda malíssimo.
O que era ousado acaba sendo apenas pretensioso.
E cai na hipocrisia.
Especialmente quando um representante da Austrália branca, desenvolvida, rica e feliz, que é o diretor, tenta espremer em um blockbuster os dramas, sofrimentos e tradições de uma outra Austrália: a Austrália segregada dos povos aborígenes.
Nesse ponto me pergunto se não teria sido melhor fazer um filme apenas sobre a tal da “geração roubada” que é retratada apenas superficialmente (crianças mestiças que eram tomadas de suas famílias para receberem a educação moral e civilizátoria dos brancos.)
Segunda coisa. A narrativa.
Hoje em dias os cineastas ou fazem filmes lentos demais ou rápidos de mais.
Luhrmann é super-sônico. Somos apresentados tão rapidamente e em trechos tão escassos de diálogos à as personagens que simplesmente é impossível se importar com elas .
Todas dinâmicas, mas com a profundidade de um pires de chá. O que temos no filme é apenas ação incessante, sem espaço para trabalhar detalhes.
È verdade que a maioria das personagens no filme, como os protagonistas, são apenas idéias , símbolos, alegorias, arquétipos, e que não se pode exigir da proposta do diretor uma aula de psicologia.
Mas o efeito prático disso é que quando os personagens coadjuvantes começam a ser eliminados pelo roteiro em mortes desnecessárias, não nos importamos nem um pouco com isso.
Afinal como vou me importar com uma personagem que apareceu uns parcos e porcos minutos na tela, e que eu mal tive tempo de me entrosar?!
Em suma Austrália
Para os Australianos talvez a banda autóctone Men at Work tenha feito um trabalho mais competente de divulgação do país no exterior do que isso aí.
Dessa empreitada do Baz só posso concluir uma coisa :
You better run, you better take coveeeer…
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Olás! e Vivas!
ResponderExcluirAh, tenho lá uns gostos amargos para liberar por aqui. O caso é que as lentes não revelam. Contrário, as lentes disfarçam. Cinema é linguagem e, logo, representação. Representar requer escolhas que, por sua vez, são guiadas pelo olhar. Aí é que tá. Quem é que olha? Quem manuseia o material a ser editado? Quem manuseia para construir mensagens? A mensagem é de quem?
O olhar lançado é uma impressão de realidade, impressão que se quer mostrar e que, aos olhos de outrem, podem se transformar em algo que nem fora pensado por quem guiou a mensagem.
O hipócrita e o equivocado são hipócrita/equivocado aos olhos de quem? De repente é uma impressão de quem está de lá ou de cá da fronteira. Impressão coincidente ou o contrário. E, hã? Fronteira?
Eu bem acho que para dizer de algo é preciso vivenciar esse algo. Mas os cientistas sociais acreditam que, em tempos de cosmopolitismos e conjunturas globais, pode-se estudar determinadas conjunturas pelo guia da dita canônica. Mas quem é que cuida dessas hierarquias?
Os centros de poder econômico acabam se tornando também os centros de poder da palavra. E quem tem o dom da palavra, ou direciona as palavras de muitos, acha que pode interpretar o mundo. Que pode representá-lo. E pode mesmo. Mas a seu modo. Quem vê a representação feita terá lá suas conclusões mas a partir de um outro olhar lançado.
Eu acredito nisso, em olhares lançados. Por fim as coisas se resumem a premissas e preconceitos. Do lado de cá e do de lá.
O exótico é sempre o não-nosso. Quantas representações do exótico haveria! O outro é um exótico. E exótico, ou o que provoca estranhamento, pode existir até dentro de nós mesmos.
Um beijo.